Crítica: Nicki Minaj preenche disco com canções sobre corações partidos
Em ‘The pinkprint’, cantora de ‘Anaconda’ deixa o sexo em segundo plano
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RIO — Se 2014 foi um ano calipígio para a cultura, muito mais do que a Iggy Azalea e Jennifer Lopez (em “Booty”, a canção e o clipe), Meghan Trainor (no hit “All about that bass”) e Kim Kardashian (naquele ensaio fotográfico para a revista “Paper”), o mundo deve o feito a Nicki Minaj e sua “Anaconda”. Essa ode hiperbólica ao plus size nos dois lados do jogo sexual resultou numa das faixas mais memoráveis da temporada, com um clipe idem que faz pensar num improvável (mas não impossível) encontro entre o rap de safadeza old school do 2 Live Crew e “É o Tchan na selva”. Era de se esperar que a rapper de distorcidas proporções corporais fosse pelo mesmo caminho ao menos em boa parte de seu álbum. Mas não: o recém-lançado “The pinkprint” é um disco em que a parte do corpo em mais evidência nas canções é o coração.
“A vida é um filme, e nunca haverá uma sequência”, anuncia Nicki, de cara, em “All things go”, faixa de abertura desse “Pinkprint”. O clima é de consternação para a artista nascida há 32 anos em Trinidad e Tobago e criada no Queens, em Nova York. Amores perdidos, cardiopatias e enganos vários alimentam a porção principal do disco. “Eu menti pra evitar que você destruísse meu coração”, canta ela, por um lado, em “I lied”. Já na derramada balada de piano “Bed of lies”, vem o troco: “Você já pensou em mim quando mente?” Há qualidade (embora não lá muita personalidade) nesse lado sofrido de Nicki Minaj no novo álbum. “Grand piano” chega a assustar pela apoteose de fossa que ela consegue construir, e “Pills N Portions”, produção do craque da indústria Dr. Luke, vem com tudo em cima em romantismo adulto para ganhar apreciadores de Rihanna a Lorde. A moça sabe o que está fazendo.
Mas Nicki Minaj é versátil, e isso “The pinkprint” deixa ver bem no seu decorrer. Até chegar à rapper da picardia, sem meios-termos, ela faz escalas no alt-r&b (em “Favorite”) e no pop mais esquemático do momento, na quase alegrinha “The night is still young”, que deve roubar algum terreno (não muito) da campeã do rádio Sia.
Tida já não é de hoje como uma das grandes esperanças do hip-hop americano para conquistar os grandes mercados do mundo, Nicki separou algumas faixas do disco para cair de boca naquilo que o gênero tem de mais controverso — e eficiente. “Get on your knees”, um dueto com a cantora-sensação Ariana Grande, é um refrão para lá de pop enfiado numa base trap sem muita força para segurar a encrenca da letra (sexo oral). Mas tem lá seus encantos. Bem melhor, a rapper se sai com o auxílio estelar da primeira e única Beyoncé em “Feeling myself”, faixa um pouco mais ameaçadora, em clima de filme de terror, com uma tensão sexual a rondar.
Ao longo de “The pinkprint”, Nicki Minaj gasta muitas balas tentando convencer que não perdeu a credibilidade de rua. Em “Only”, ela lidera a cachorrada composta por Drake, Lil Wayne e Chris Brown — mas a soma dos talentos é muito menor do que o resultado obtido. Depois, ela solta a língua sem clemência em “Want some more”, “Four door aventador” e “Trini dem girls”. Todas faixas assim meio trap, meio qualquer coisa, mas sem chegar a lugar algum. Com bons produtores, os números feitos para serem os mais cascudos do disco estão sempre a alguns quilômetros daquele assombro que a geração mais nova, sem experiência ou os recursos do mercado milionário, consegue tirar de seus pequenos estúdios. Mesmo Rihanna, por exemplo, costuma se sair bem melhor que Nicki nesse desafio de manter a explosão e o ardor sem abdicar do romantismo.
Bem feito, equilibrado, com alguns candidatos a hit e pelo menos um “Anaconda” para entrar em antologias do pop de 2014, “The pinkprint” circula também em uma edição de luxo, com mais um punhado de faixas. E, dessas, a que vale o dinheiro é “Shanghai”, produção transgênica, com beats estranhões, sinistros, que lembra um pouco as estripulias vanguardísticas de Kanye West em seu disco “Yeezus” (2013). Se a picada da cobra trouxesse um pouco mais de veneno a “The pinkprint”, certamente teríamos aí um dos grandes discos do pop de 2014. Mas, pelo jeito, Nicki Minaj preferiu que as emoções falassem mais alto.
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