Casos como o do deputado Donadon se reproduzem no governo federal.
Preso, ele perdeu direito à moradia funcional, mas família segue no imóvel.
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Casos como o dos familiares do deputado Natan Donadon (sem partido-RO), que se negaram a deixar um apartamento funcional da Câmara dos Deputados, também se reproduzem no âmbito do governo federal. Preso após condenação do Supremo Tribunal Federal (STF), Donadon responde a processo de cassação e teve todas as prerrogativas parlamentares suspensas, entre as quais a de usar um dos 336 imóveis funcionais da Câmara atualmente disponíveis para moradia parlamentar.
Segundo levantamento do G1 com base em informações do Portal da Transparência, 60 imóveis funcionais de propriedade da União em Brasília são ocupados por funcionários que perderam o direito de usufruir do apartamento, mas continuam morando no local irregularmente. De acordo com o levantamento, esses casos representam 12% do total de 474 imóveis funcionais da União atualmente ocupados na capital federal.
Os cargos dos 60 funcionários que ocupam esses imóveis são exibidos no Portal da Transparência como “inexistentes”. De acordo com assessoria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), do Ministério do Planejamento, que administra os imóveis do Executivo, esses funcionários perderam a função, tiveram o cargo extinto, se aposentaram ou morreram.
“Os ocupantes que não são mais servidores conseguem permanecer nos imóveis com base em recursos impetrados na Justiça, ou em casos de alienação – quando a retomada só pode ser realizada após decisão judicial em última instância. Estes ocupantes estão sofrendo ações de reintegração de posse em retomada judicial”, informou a assessoria da SPU.
Segundo a SPU, há 94 ações judiciais diversas em andamento contra moradores e ex-moradores de apartamentos funcionais. O órgão não informou quantas ações, desse total, são por desocupação ou por outros motivos, como dano do imóvel.
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Metro quadrado de R$ 9,5 mil
De acordo com o levantamento do G1, 95% dos imóveis funcionais da União estão localizados nas asas Sul e Norte de Brasília, áreas nobres da cidade. O valor do metro quadrado na Asa Sul custa R$ 9,5 mil e o da Asa Norte, R$ 9,2 mil, segundo o Índice FipeZap Ampliado de julho. Com isso, o preço de um apartamento de 100 metros quadrados, por exemplo, ultrapassa R$ 900 mil nessas regiões.
De acordo com o levantamento do G1, 95% dos imóveis funcionais da União estão localizados nas asas Sul e Norte de Brasília, áreas nobres da cidade. O valor do metro quadrado na Asa Sul custa R$ 9,5 mil e o da Asa Norte, R$ 9,2 mil, segundo o Índice FipeZap Ampliado de julho. Com isso, o preço de um apartamento de 100 metros quadrados, por exemplo, ultrapassa R$ 900 mil nessas regiões.
Dos 60 imóveis ocupados irregularmente, 55 estão com o mesmo funcionário há mais de 20 anos. Há quatro casos de servidores que vivem em apartamentos do Estado há 40 anos. Eles ocuparam os imóveis em 1973, mas deveriam ter devolvido as chaves porque se aposentaram ou porque perderam a função que garantia a eles o direito de permanecer ali.
A lei determina que têm prioridade no uso dos imóveis funcionais os ministros de Estado, em seguida os cargos de natureza especial (cargos que não exigem concurso público para efetivação) e os cargos de Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (chamados DAS) dos níveis 6, 5 e 4, nessa ordem.
Regras para uso
Para ter direito a um apartamento, nem o funcionário nem seu cônjuge ou companheiro amparado por lei podem ter imóveis em Brasília. Também são vetados aqueles que tenham dívidas em decorrência de utilização anterior de qualquer imóvel pertencente à União, conforme determina a lei.
Para ter direito a um apartamento, nem o funcionário nem seu cônjuge ou companheiro amparado por lei podem ter imóveis em Brasília. Também são vetados aqueles que tenham dívidas em decorrência de utilização anterior de qualquer imóvel pertencente à União, conforme determina a lei.
Ainda de acordo com a legislação, quem mora num funcional não paga aluguel, mas é obrigado a pagar condomínio e eventuais taxas extras de manutenção do prédio, além de despesas com gás, água e energia elétrica.
O decreto 980, de 1993, estabelece que o funcionário perde o direito à permissão do imóvel caso seja exonerado ou dispensado do cargo ou da função de confiança que o habilitou ao uso; entre em licença para interesses particulares; seja transferido de estado; aposente-se; faleça; torne-se proprietário de imóvel residencial no Distrito Federal (ou seu cônjuge); deixe o imóvel desocupado por 30 dias; transfira o direito de uso a outras pessoas ou atrase por mais de três meses o pagamento de encargos como condomínio e taxa extra.
Nesses casos, o funcionário deve devolver o imóvel à SPU em até 30 dias. "Extinta a permissão de uso, o imóvel deverá ser restituído, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, no prazo de 30 dias corridos, contados da data em que cessou o direito de uso”, conforme determina o artigo 16 do decreto.
Desde que esteja em situação regular, não há restrição sobre o prazo máximo que o funcionário pode permanecer no imóvel. A Secretaria do Patrimônio da União informou que, antes do decreto, qualquer servidor tinha direito a uma residência oficial, mesmo sem ter cargo comissionado.
Atualmente, há 49 imóveis funcionais da União vagos, de um total de 523. De acordo com a SPU, todos estão em processo de destinação, na fase de entrega de chaves ou sendo visitados por servidores públicos para escolha.
Entre os diversos ministérios, agências, institutos e fundações federais que têm direito aos funcionais, o Ministério do Planejamento – pasta à qual a SPU é subordinada – é o mais contemplado: 12% dos 474 imóveis ocupados estão com funcionários do órgão. Em seguida, estão a Presidência da República (8%), o Ministério da Justiça (6%) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (6%).
Liminares arrastam processos
O cientista político David Fleischer, da diretoria da Transparência Brasil, organização autônoma dedicada a assuntos de combate à corrupção, atribuiu às liminares (decisões provisórias) obtidas na Justiça o prolongamento por décadas das ações judiciais para reintegração de posse de imóveis funcionais.
O cientista político David Fleischer, da diretoria da Transparência Brasil, organização autônoma dedicada a assuntos de combate à corrupção, atribuiu às liminares (decisões provisórias) obtidas na Justiça o prolongamento por décadas das ações judiciais para reintegração de posse de imóveis funcionais.
“Essa demora em recuperar os apartamentos se deve à enxurrada de liminares. Nossa legislação permite que liminares ocupem todo o Judiciário e prolonguem por 20, 40, 50 anos um processo como esse de reintegração de posse”, afirmou o cientista.
Fleischer explicou que os imóveis funcionais nasceram em Brasília com o objetivo atrair funcionários na época da transferência da capital federal do Rio de Janeiro, em 1960. “Foi um estímulo. Alguns funcionários que vieram do Rio, ainda nos anos 60, receberam os apartamentos como forma de recompensa pela mudança”, afirmou.
Ele disse que ainda hoje os apartamentos poderiam ser utilizados com esse fim, se houvesse uma rotatividade maior.
“Se você quiser atrair hoje alguém para um cargo em Brasília, faz sentido sim oferecer um apartamento funcional. Vale lembrar que esses imóveis representam uma renda indireta, já que o funcionário deixa de pagar aluguel ou as prestações de um financiamento”, afirmou.